domingo, 16 de agosto de 2020

Levem o mundo: Deixem-me o momento!


    Foto:  Pinterest. 


Não me digas mais nada. O resto é vida.

Sob onde a uva está amadurecida

moram os meus sonos, que não querem nada.

Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.


Sob os ramos que falam com o vento,

inerte, abdico do meu pensamento.

Tenho esta hora e o ócio que está nela.

Levem o mundo: deixem-me o momento!


Se vens, esguia e bela, deitar vinho

em meu copo vazio, eu, mesquinho

ante o que sonho, morto te agradeço

que não sou para mim mais que um vizinho.


Quando a jarra que trazes aparece

sobre o meu ombro e a sua curva desce

a deitar vinho, sonho-te, e, sem ver-te,

por teu braço teu corpo me apetece.


Não digas nada que tu creias. Fala

como a cigarra canta. Nada iguala

o ser um som pequeno entre os rumores

com que este mundo (verso incompleto)


A vida é terra e o vivê-la é lodo.

Tudo é maneira, diferença ou modo.

Em tudo quanto faças sê só tu,

em tudo quanto faças sê tu todo.


Fernando Pessoa, in 'Canções de Beber - Ruba'iyat na obra de Fernando Pessoa'


AHM.  

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